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Superficialidade, blogs e a pobre mídia brasileira

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Beda

Coelho da Alice

A superficialidade me assusta: ela é cômoda, fácil de atingir. Pior: virou demanda de mercado! “Não há tempo! Não há tempo!” – gritam, correndo, os coelhos. Os posts têm que ser curtos, as matérias das revistas não ensinam nada, os debates servem para mostrar “quem é que tem razão” ou quem consegue espetar o fígado do outro melhor.

Tenho cerca de 20 rascunhos gravados, esperando tempo para aprofundá-los. Três ou quatro posts foram publicados e aguardam seqüência até hoje. Não há tempo! Não há tempo!

Prometi pra alguns um post sobre superficialidade já há algum tempo e, na verdade, acho que agora ele já não vai mais sair do forno: era pra ser uma bela colagem de anotações que venho fazendo de vez em quando mas, obviamente, não seria bom que fosse… er… hem… superficial.

Eu devia parar por aqui, se quisesse seguir a política dos bons blogs. Semana passada li um cara que eu respeito dizendo isto: blog bom publica muitas vezes e pouco conteúdo. Pode?? É uma regra vigente, a da quantidade, volume e impacto. Esse povo só deve beber Cabernet chileno e Malbec argentino…

Entendo a demanda por posts curtos: blogs e feeds são ferramentas de digulgação de conteúdo rápido, manchetes; são a versão virtual dos jornaizinhos de rua (Metro, Destak, etc. que custaram, mas chegaram ao Brasil).  É meio triste isso, mas tudo bem: tem demanda, né…

Mas consideremos a mídia “especializada” brasileira. Revistas e publicações, elaboradas por gente capacitada do ponto de vista editorial, gente capacitada do ponto de vista técnico, poderiam suprir nossa sede de leitura  – nossa: a daqueles que ainda gostam de ler e de saber algo sobre o assunto que estão lendo, ao invés de ter um número novo ou um escândalo para gritar na mesa de jantar e depois repetir “absurdo” sem ter o que mais dizer.

Pois bem, fiquei triste ao abrir, nesta semana, o especial “Guia de Vinhos vol.3″  do Guia 4 Rodas. A capa já trazia uma chamada  picareta, dessas que dá pra farejar de longe: “Robert Parker: gênio ou enganador?” A não ser que a revista tivesse feito um verdadeiro break-through contando a “verdade” sobre como o “Beto” NÃO é um degustador altamente capacitado, alguma coisa estava muito errada.

Folheei, procurando a matéria e fui descobrindo aqui e ali imprecisões tristes de se encontrar numa publicação de editora séria, uma verdadeira referência no nosso país. De fato, nem ao menos há uma matéria propriamente dita sobre o cara: o editor escorregou feio na hora de escolher os títulos.

“Nunca Li Robert Parker”, coisa que o autor não afirma no texto, é o título de um breve artigo de um importante restaurateur paulistano na última página da revista sobre como ele não liga para as notas dos principais críticos e como Parker o incomoda. Infelizmente, foi o motor propulsor da minha vontade de falar sobre como me parece que está tudo ficando raso à minha volta e de como fico com medo de rasear também.

[O debate sobre as notas não é novo e anda muito aquecido na internet brasileira. Um pequeno círculo de apreciadores de vinho vem falando com alguma freqüência sobre pontuações em seus blogs e eu tenho uma cruzada pessoal contra o poder fálico com que as pessoas impregnam os “90+ pontos RP”.]

De qualquer maneira, a impressão que o texto me deu foi a de que houve pouquíssima ou nenhuma pesquisa para fazê-lo. Afirmações vagas, às vezes de fato incorretas ou ao menos muito parciais e polemistas, sem embasamento. Tudo bem, o espaço reservado para a coluna é chamado “Crítica”. Sim, me parece ser a opinião do autor sobre o que vem sendo feito das pontuações de vinho.

Mas… né? Foi pra isso que eu paguei R$14,99??? Alguém aí já leu uma Revue du Vin de France?? Pois experimentem folheá-la, mesmo sem saber francês. Mapas, degustações de grandes vinhos, análises sobre regiões e estilos, entrevistas com as maiores referências no mundo do vinho e, pasmem, artigos de uma página que trazem reflexões íntegras e, de fato, refletidas (será que é mesmo um pleonasmo??) sobre temas variados.

Sim, os mercados são diferentes. Sim, o acesso aos produtores, especialistas de alto padrão e etc. é direto por lá, por aqui não. Mas PUTZGRILA, até o preço da revista é praticamente O MESMO! Querem mudar de área? Peguem uma revista sobre gastronomia de Portugal. Ou dos EUA. Ou um jornal semanal italiano, ou francês. Mudando de pau pra cavaco e, ainda assim, permanecendo no tópico: sabiam que os fabricantes de jogos nacionais recebem reclamações quanto à alta complexidade dos manuais de seus produtos??? Tsk. tsk. tsk. Não há sequer UM jogo no mercado brasileiro com um mínimo de complexidade nas regras ou nos conceitos utilizados [não, War não é complexo: é colorido, aleatório e demorado].

Não quero dizer que a culpa é dos jornalistas brasileiros. Pelo contrário: a culpa é nossa. Leitores ansiosos por coisa nenhuma, afoitos por manchetes, fofocas e o mínimo de informações-de-fato possível. Bebedores compulsivos por coisa nenhuma, jogadores preguiçosos e escritores de meia-tigela. Estamos todos, inclusive eu, acomodados com a superficialidade. Ela é cômoda, fácil de atingir. E está na moda.

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Presentão pra quem gosta de vinho.

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  1. Beda, obrigada pela visita ao meu blog, me sinto honrada!
    Concordo plenamente com o que falou a respeito de como nos tornamos rasos facilmente. É também um medo que me acomete o tempo todo. E também faço uma cruzada contra o Parker, mas, ao contrário do restauranter citado, li a respeito dele, da maneira mais imparcial possível, para ter certeza de que meu ódio a pessoas como ele tem uma razão boa e válida. Não sei se você se sente como eu, mas por todo lado que olho vejo apenas interesses puramente financeiros, egocentristas que vêem no vinho e na gastronomia uma forma de "coroação" e muita, mas muita enganação de todos os tipos e em todos os níveis. É broxante, na verdade. Não fossem as exceções…

  2. "Leitores ansiosos por coisa nenhuma" é uma excelente definição. A ela eu juntaria "rabiscadores superficiais de coisa nenhuma". Já conheces minha opinião sobre tamanho de posts e eu pessoalmente não acho que estejas acomodado com a superficialidade – pelo menos não por aqui.

    Mas a superficialidade impera, sim, na blogosfera, e os blogs sobre vinho são exemplares. O objetivo, parece, é gerar tráfego para o blog. Meia dúzia de adjetivos para o vinho, uma pontuação questionável e voilá!, o sitemeter dispara… Risquei um monte deles do meu caderno.

    Gil tem razão: um brinde às exceções!
    beijo.

  3. Gil:
    atenção! eu não tenho uma cruzada contra o Parker… o livro dele é um dos mais bem estruturados e organizados, referência muito boa para quem quer entender o que está acontecendo hoje no mundo do vinho e para quem quer acompanhar seriamente a produção das principais regiões…
    A minha cruzada é contra a supervalorização das notas, contra a superficialidade dos números…
    Mas você tem razão quanto à distorção de valores, a ganância e etc. O pior é que isso não se resume à gastronomia: está pra todo lado.
    É bom saber, porém, que há gente boa e empenhada para todo lado. Gente que gosta do que faz e que se dá conta de que há muito o que fazer…

  4. Bernardo, eu tb me decepcionei com a chamada – enganosa ou equivocada – de capa da revista citada, li a última pg e me decepcionei: todos têm direito de não ler/não gostar de Robert Parker; o que não tem direito é não ler, mas citar as pontuações de RP nos vinhos que vende.

    Estou cansada tb. da maioria das revistas de Enogastronomia daqui pois durante mais de 2 anos comprei mensalmente meia dúzia deles não só para aprender mas para ler por prazer. O que me salva são o blogosphera e JancisRobinson.com.

  5. A cauda longa criada na Internet abre espaço para todo o tipo de tendência de pensamento, inclusive para a intolerância. Pelo menos é um espaço democrático. Será?

    1. Não entendi, Paulo… até concordo com você, mas qual é o vínculo com o artigo?
      Espero seus comentários.
      Obrigado!
      Bernardo

  6. Beda, o artigo trata de um fato: a superficialidade do conteúdo na mídia. Acredito que muito influenciado pela internet. Os comentários a seguir ampliam o debate sobre os blogs de vinho. Ao longo das expressões de opinião surge de forma clara a intolerância e até a palavra ódio. Na minha visão esse antagonismo é socialmente explicado. A cauda longa da blogosfera abriga em um mesmo nicho (neste caso o vinho), opiniões e estilos diametralmente opostos, lamentavelmente causa a intolerância e até o ódio. Sou partidário de que cada um tem liberdade para postar o que quiser, texto longo, curto, raso, profundo, gostoso, chato, com 90 ou mais pontos, com listinha de adjetivos… E cada um gasta seu tempo lendo o que quiser. Viva as diferenças e abaixo a intolerância. Espero ter explicado o ponto de vista.
    Abraços e parabéns pelo seu blog.

    1. Obrigado, Paulo, pela explanação. De fato, tem espaço para todos, não é? O triste é ver a predominância do raso e a freqüência do irrefletido, até mesmo irresponsável, especialmente vindo da mídia e dos chamados "formadores de opinião". Não é sempre que queremos ler textos profundos, conteúdo denso ou participar de debates, mas falta cérebro e sensibilidade nisso tudo.

  7. ora dessas cê fica mais branco que eu. quando não trabalha, fica blogando! 😛

    saudadona.

  8. Bebo qualquer vinho do espectro Cabernet chileno – Malbec argentino. Só dispenso vinho de caixinha tetrapak porque acho muito indigno. De qualquer modo, rolei de rir com "War não é complexo: é colorido, aleatório e demorado". Você só esqueceu de dizer "e insuportável de chato".

    Não entendo nada-nada-nada de vinho, mas vou dar pitaco por aqui, ok?

    A superficialidade que nos toca em quase tudo é mesmo muito irritante. Embora teoricamente cada um publique o que quiser (se tiver os meios, ou seja, o espaço não é nem de longe democrático) e leia o que achar legal, no mundo real eu preferiria um cenário de bombardeio por informações e opiniões mais cuidadosas do que essa coisa de abrir o jornal, um blog ou uma revista e ler "achismos com base em nada".

    E não creio que cada um lê o que quer: não dá pra fugir de conteúdo estúpido, a não ser que a pessoa viva em uma bolha e não leia nada.

  9. Beda, Obrigado.
    Tento adaptar-me à linguagem da internet sem avacalhar demais a língua portuguesa, seja na ortografia, seja na estrutura.
    É difícil, às vezes, saber se estou adaptando ou estou estragando tudo, aceitando a superficialidade. Só o fato de ter colocado uma minhoquinha na minha cabeça já foi bom.
    De fato, a linguagem na rede tem de ser mais ágil que num artigo impresso ou num livro.
    Quando fiz um post um pouquinho mais estudado sobre paralelos do vinho, encontrei uma forma de aliviar o comprimento do texto dividindo em tópicos mais rápidos. O texto não era lá tão grande, mas para parâmetros de blog era. Não abri mão do conteúdo e consegui "dinamizá-lo".
    Mais uma vez, obrigado pela reflexão "mais refletida", hua hua hua.
    O Beda é a prova de que ainda tem vida inteligente na rede.
    Brindes
    Leonardo, usando sem remorso notas de 70 a 100 para vinhos.
    vivaovinho.blogspot.com

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