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Almoço, por favor.

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Beda
Almoço no escritório do Dilbert.
Com um pouco de Photoshop dá pra te incluir nessa imagem.

Hoje, como outras vezes, não almocei. Sentado no computador, respondendo e-mails e montando planilhas, beliscando biscoitinhos com café expresso ou chá que diligente e cuidadosamente a Cris veio trazendo ao longo da manhã, só me dei conta da hora de almoçar quando já era tarde e eu teria que passar mais duas horas trancado numa sala. Me lembrei, de imediato, do Hugh Johnson.

Poucas pessoas no mundo têm o misto de experiência, conhecimento, sensibilidade e reflexões sobre vinho e tudo o que lhe circunda como Hugh Johnson, mentor de Jancis Robinson, autor de inúmeros livros sobre vinho e de uma de suas mais deliciosas colunas da revista Decanter dos últimos tempos – a começar já pelo título: “Pular o almoço? Isso é pra covardes”.

Desde que me mudei para São Paulo, passei a viver um misto de luxinhos (meus horários estão por minha conta, não tenho uma rotina que dure mais do que dois ou três meses sem novidades e, boy, do I get to lunch/dinner) e situações, ehr, metropolitanas – para não dizer paulistanas – (falta de almoço ou sanduíches espremidos nas reuniões, falta de horário para terminar de trabalhar, vício por e-mails e telefone celular, angústia constante por não ter terminado o que comecei e por aí vai…). Alguns de vocês vão dizer que preciso de terapia (os paulistanos, provavelmente) ou de me mudar daqui (a maioria dos outros que vivam em qualquer outro lugar), mas asseguro-lhe de que não é o caso… ainda.

Foi andando em dire̤̣o ao trabalho (viram? isso ̩ luxo), que eu ia lendo (e isso ̩ metropolitano) e me deleitando com as divertidas, mas ao mesmo tempo s̩rias, palavras de Hugh Johnson sobre a import̢ncia de uma refei̤̣o considerada com cada vez menor aten̤̣o Рo almo̤o.

“… agora que o almoço se uniu a fumar, beber, fazer piadas sobre irlandeses e perguntas sobre as mudanças climáticas fora dos limites do tolerável […] os negócios negligenciam a refeição arriscando o próprio pescoço. Empresas seduzidas pela idéia de que o número de horas à mesa de trabalho importa mais que a qualidade-de-vida vivida podem seguir martelando, mas será que elas vão sobreviver?”, questiona Johnson.

Isso é o que eu chamo de "almoçar fora".
Isso é o que eu chamo de "almoçar fora". © Charles C. Ebbets/Bettman Archive

Não me entendam mal – como eu já disse, como muito bem por aqui. É que não dava para deixar de compartilhar essas pérolas com vocês:

“Os médicos nos disseram o que sabemos por instinto e experiência: que as papilas gustativas estão em alerta total no final da manhã. Energia está fluindo para o cérebro. As garçonetes ainda estão descansadas; os chefs estão forçando as amarras. É a melhor hora, hora de persuadir, de fazer amigos, conexões, ver o mundo sob uma luz fresca.”

E o que isso tudo tem a ver com vinho? Johnson, brilhantemente, costura uma defesa dos vinhos leves, que estão sendo deixados de lado:

“Os vendedores de vinho desenvolveram, juntamente a uma sólida raça de hipérboles, um sutil vocabulário para criticar delicadamente os vinhos que eles hesitam em descrever com superlativos. ‘Vinho elegante’ quer dizer ‘vinho magro’. ‘Interessante’ pode significar qualquer coisa que você quiser. ‘Vinho gastronômico’ (ou mais pretensiosamente ‘caldo gastronômico’*) indica um vinho decente, até mesmo um clássico, mas com uma nota de diluição que iria custar-lhe, no brutal mundo das pontuações, alguns pontos vitais.”

Delicioso. “Iria custar-lhe pontos vitais” é uma alfinetada de mestre nos fãs dos criminosos sistemas de pontuação, que não têm como premiar vinhos delicados, vinhos de menor intensidade, vinhos que fujam ao padrão “fruta-volume-intensidade” das planilhas de pontos. E ele segue em frente, descrevendo almoços e vinhos:

“É o momento em que a comida e o vinho não precisam ser enfáticos; é quando nós vemos suas nuances mais sutis. Bons pratos para o almoço tendem para o leve: é seu perfume o que mexe com você de lá de dentro da cozinha. Vinhos para o almoço são delicados, cheios de sutilezas e não encorpados com o álcool – os mesmos que, muito francamente, eu procuro para jantar também, ainda que os encontre cada vez menos.”

Ah, seu Johnson. Se você tem esses problemas aí em Londres, que dizer de nós aqui no Brasil, onde reinam os Malbec e Cabernet quase doces, as explosões de notas RP90+ por R$30- e onde vinhos brancos, de aperitivo ou que-requerem-atenção são descartados de imediato como “muito secos”, “muito ácidos” ou “muito sem sabor”.

Se alguém aí gostou muito do assunto, pode ler o livro indicado por Johnson na coluna – The Theory and Practice of Lunch, de Keith Waterhouse, apresentado como o “último homem a lutar pelo almoço”. Se alguém gosta muito de mim, tem na amazon.com e está na minha wish list.

*Nota do Bernardo: quem ler o artigo original irá notar que tomei liberdades na tradução para que tudo ficasse mais adequado à realidade brasileira. Tradutore, traditore, diz o ditado. (clique aqui voltar para o texto.)

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  1. Os laptops já deveriam vir com compartimento de descanso de copo e guardanapos, ou um sistema shutdown automático das 12h30 as 13h30?

    Só sei que me vi nessa ilustração diversas vezes nos últimos dois anos e não a acho mais engraçada.

    Só os covardes pulam o almoço, true!
    Vou tentar lembrar disso amanhã, pq hoje já almocei em exatos 20 minutos 🙁

  2. Ber, quando for o "caso", vem fazer um tratamento de choque aqui!

    Em relação a tua wishing list, alguns deles na minha prateleira. Sei que é melhor ter do que ler e devolver, mas como tua lista é bem extensa, mais te sobraria para os outros. Números 57, 62, 67 e 76. Se quiseres, mando numa caixinha.

    Beijos desde o fogão a lenha.

  3. Se muda pro RJ que a vida é muito light e agradavel…. e voce tem tempo para almoçar!

  4. Aqui no interior eu ainda tenho o privilégio de fechar a distribuidora para ir almoçar !!!!
    Abraço.

  5. Do newsletter do Kermit Lynch de hoje:

    Top Ten Reasons to Drink Wines with Low Alcohol
    1. Balance is better than bigness.
    2. They pair better with food.
    3. Drink two glasses instead of one.
    4. Drink one bottle instead of half.
    5. Friends don’t let friends drink and . . . oops, wrong list.
    6. Enjoy your meal and not fall asleep at the movie afterwards.
    7. Look at the low price of this Sampler!
    8. Actually follow that “interesting” conversation about sub-prime derivative gobbledygook . . . or not.
    9. Try pronouncing Icelandic volcano Eyjafjallajökull after a glass of 16.5% Zin.
    10. Wine should taste like wine, not oaky cough syrup.

  6. Loved it! So damn right! I now have to star learning about drinking wine day time:) Ah…hard life…but serious…you are right. I usually avoid it because of a dictatorship of wine that I was not aware of before reading your comments: I have been focusing on wine only for night time appreciation…an ocassion where one does not have to be all that worried about getting a bit enibriated. But wine is not ONLY that! It can be appreciated day time (provided the choice is right – and it is usually not known) without a guilty conscience or a loss in concentration;)

    HELP!!!!!!!!!!!

    Bjs,
    Plauto

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