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Os ingleses, os espumantes, os espumantes ingleses.

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Beda

Stephen Skelton, MW, é desses caras que não largam o osso: começou a vida profissional no mundo do vinho produzindo na Inglaterra, pioneiro. Passou uns anos na Alemanha, trabalhando com um dos gênios do vinhos no país, Dr. Helmut Becker (que pra muita gente das minhas vidas passadas é nome de escalador) para voltar pra Inglaterra e fazer mais vinhos, com essas uvas que ninguém sabe o que são nem quando está escrito (Bacchus, Elbling e montes de coisas terminadas em -rebe). Os alunos do Diploma no WSET devem conhecê-lo pelo livro de referência para estudos de Viticultura, pelos textos sobre a produção do Reino Unido no Oxford Companion e pelas aulas um tanto corridas sobre Alemanha, Reino Unido e Viticultura. Sem dúvida, o cara é fã de uva branca, acidez alta e chuva, fazendo vinhos, escrevendo, falando e provando quase exclusivamente com esses critérios.

Hoje, Skelton publicou através do site da crítica inglesa Jancis Robinson os resultados de uma degustação comparativa organizada no último dia 03, curiosamente, exatos dois anos depois de um painel de espumantes de que participei em Londres e que fazia uma comparação similar: a de espumantes ingleses e do resto do mundo.

No caso da mais recente, o foco estava nos ingleses (cerca de 50 rótulos), com quatro Champagne e mais um espumante neo-zelandês e uma Cava. Na minha degustação de 2009 havia praticamente um rótulo para cada região de relevo (França genérico, Loire, Clairette de Die, Cava, Prosecco di Valdobbiadene, Asti, Sekt, Austrália – tinto e branco – Califórnia, Nova Zelândia e Inglaterra, com mais rótulos da Champagne do que de cada outra região individualmente.

FALTOU espumante do BRASIL? Que absurdo!

Obviamente faltou muita coisa (exemplares mais… interessantes de Champagne, Franciacorta, Crémants…). Não me admira que, na degustação de Skelton, os ingleses tenham se saído muito, muito bem enquanto que na minha degustação os Champagne tenham se mostrado melhores – como de hábito, evitar distorções nesses painéis é muito, muito difícil.

Os degustadores no painel de Skelton eram de nível altíssimo: quatro MW, (duas delas especialistas em Champagne, mais Jancis Robinson e o próprio Skelton); uma aluna do programa MW; uma jornalista inglesa especializada em vinhos; uma representante do “Wines of England”; e um jornalista e escritor inglês especializado em Champagne. O objetivo: verificar como se saem os espumantes ingleses se comparados com Champagne e outros espumantes da mesma faixa de preços.

De acordo com Skelton:

“Uma coisa é certa: os melhores espumantes do Reino Unido podem mais que simplesmente dar conta do recado ao lado dos Champagne. Embora a Champagne tenha ocupado quatro dos dez primeiros lugares, isto ainda significa que seis eram ingleses e com apenas um ponto separando os doze melhores.”

Déja vu, alguém?

Esse é o tipo de material que costuma acarretar em frases do gênero “Espumante inglês vence Champagne em degustação às cegas” e “Reino Unido faz espumantes melhores que a Champagne” e matérias sensacionalistas, como vimos no passado (aqui, aqui, aqui, aqui e aí em todos os sites de vinho que você já leu).

Mas é sério mesmo esse resultado, Lombardi?

Sem a menor dúvida, os vinhos espumantes ingleses estão atingindo um nível de qualidade ímpar. Se a questão é desenvolvimento de técnicas, mudanças climáticas ou combinação das duas coisas, interessa pouco. Fato é que os vinhos se mostram saborosos, equilibrados e com boa dose de caráter, similares a coisas que normalmente encontramos na Champagne ou aos melhores dos melhores vinhos de outras regiões do mundo, pelo menos quando tratamos de vinhos relativamente jovens.

No entanto, um painel comparativo em que há 50 amostras de uma região contra 8 de outras dificilmente é representativo. Os próprios top 10 comentados por Skelton são uma aberração: “embora a Champagne tenha ocupado quatro dos dez primeiros lugares” começa um raciocínio que simplesmente ignora o fato que quatro corresponde a 100% dos vinhos da Champagne naquele painel!

Se TODOS os Champagne do painel estavam entre os dez primeiros e havia somente mais dois espumantes “não-ingleses”, qual é a probabilidade dos outros seis espumantes serem de fato ingleses? E se houvessem 50 Champagne contra 50 ingleses? Ou pior: 50 Champagne contra 8 ingleses?

E isso acontece de novo e de novo e de novo a cada painel comparativo entre regiões, especialmente quando o ponto de referência para comparação é o preço. Há alguns meses, Dirceu Jr., MW, o primeiro representante brasileiro no IMW, se tornou pivô de uma polêmica sobre os Merlot brasileiros, que se saíram melhor em seu painel comparativo do que os Merlot de várias outras partes do mundo, em faixas de preço específicas. Houve muito produtor nacional alardeando por aí que o vinho brasileiro é melhor até que Bordeaux, ignorando o que Dirceu havia dito com clareza sobre a estruturação do painel e a necessidade de se investir em qualidade e superar as barreiras para se atingir níveis superiores.

Dirceu, MW brasileiro levanta a bola, mas a galera corta é a rede. (Pô, nem a Época da crédito de foto. Foto: divulgação)

A Champagne, assim como Bordeaux, não se tornou famosa pela alta qualidade de seus vinhos de preços mais baixos, aqueles que podemos comparar tête-à-tête (do ponto de vista preço) com os vinhos espumantes ingleses e os Merlot brasileiros. Pelo contrário: vinhos de menor qualidade, tanto em Bordeaux quanto na Champagne, podem ser tão ruins ou ainda piores que vinhos de qualquer outro lugar no mundo!

Fazer coisa ruim é fácil, mesmo com os melhores ingredientes (e, no caso do vinho, com o melhor terroir). Difícil, mesmo, é fazer coisa boa, boa de verdade, com sutilezas, riqueza e a capacidade de ganhar um refinamento ímpar, como os melhores vinhos da Champagne e de Bordeaux e de tantas outras regiões são capazes de fazer. E isto, tanto o Brasil quanto a Inglaterra e tantos outros, ainda têm de provar serem capazes de alcançar.

Skelton não larga o osso das regiões frias e chuvosas, porém não é bobo nem irresponsável. Assim como Dirceu, usa tanto a cenoura quanto o bastão:

Os melhores produtores, aqueles utilizando as variedades e clones certos, fazendo seus vinhos com cuidado, envelhecendo-os por um tempo apropriado e colocando-os no mercado com uma dosagem que respeita o vinho e o setor do mercado em que estão mirando, podem produzir vinhos que são realmente de nível internacional e com preços que não estão, de maneira nenhuma, fora da linha de competição. Com a indústria do vinho no Reino Unido mal saída das fraldas, que poderemos alcançar nos próximos 25 anos? Quando se considera que Dom Pérignon estava aperfeiçoando o corte e assemblage de Champagne há mais de 300 anos (ele morreu em 1715), penso que podemos ficar felizes com o progresso até agora.

Da mesma forma com que meus professores na escola me avaliavam: “bom trabalho nesse trimestre, mas poderia ser melhor”. Vale o mesmo para o vinho espumante inglês. Na minha opinião, isto é só o começo. Enquanto tanto os vinhedos quanto os viticultores amadurecem, enólogos aprendem com seus resultados passados, a qualidade dos espumantes ingleses só pode melhorar.

PS: Dêem uma olhada nas “Notas rápidas” dessa semana.

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